O empresário russo Boris Berezovsky ingressou no Supremo Tribunal Federal do Brasil contra o juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, acusando o magistrado de conduzir "diligência secreta" no caso MSI-Corinthians, o maior escândalo do futebol brasileiro sobre evasão de divisas, corrupção, formação de quadrilha, suborno, envolvendo a parceria.
De acordo com a defesa de Berezovski, o juiz não interrompeu um pedido de cooperação internacional com os Estados Unidos para obtenção de documentos bancários, mesmo depois que o Supremo ordenou a suspensão do processo.
Os advogados Alberto Zacharias Toron e Heloisa Estellita, que assinam a reclamação, pedem a nulidade da decisão. Eles destacam que De Sanctis foi afastado da ação penal em 15 de dezembro de 2009 por decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). O processo foi reiniciado pelo juiz substituto Marcelo Costenaro Cavali.
Ainda segundo a reclamação, no dia 27 de janeiro deste ano, foi juntada ao processo, "ao que tudo indica de forma equivocada", resposta do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, sobre o resultado da cooperação. Os advogados sustentam que descobriram "a existência de procedimento sigiloso para a defesa".
"O procedimento foi instaurado e mantido em sigilo para todos os acusados e seus defensores em pleno desenvolvimento da ação penal", acusa Toron. "Casualmente, a defesa descobriu esse apenso secreto sobre o qual havia orientação para que não fosse exibido no balcão. Temos aí duas flagrantes ilegalidades. A primeira é a realização de uma diligência enquanto o processo estava parado. A outra é o segredo que cobria a investigação”.
No último dia 3, o juiz Cavali anulou o procedimento relativo ao ofício do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional "para evitar alegação de desrespeito à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, devendo ser formulado um novo requerimento pelo Ministério Público Federal, se entender pertinente, sem prejuízo do aproveitamento das traduções já realizadas em atenção aos princípios da economia processual e da eficiência".
"O fundamento para o sigilo de dados de instituições financeiras visa a proteção do próprio acusado e de terceiros evitando vazamentos e exposições públicas", esclareceu De Sanctis. O juiz destacou que "a Secretaria da 6ª Vara recebe recomendações para seguir fielmente as determinações legais de proteção ao sigilo".
De Sanctis anotou que "todas as informações bancárias são imediatamente anexadas aos processos para propiciar o contraditório e a ampla defesa, nos termos do Código de Processo Penal".
Berezeovsky é investigado por participar e comandar um suposto esquema de lavagem de dinheiro ocorrido durante a parceria entre o Corinthians e o fundo MSI (Media Sports Investment), entre 2004 e 2007.
O advogado Alberto Zacharias Toron, que defende Berezovsky, acusa De Sanctis de manter o andamento do processo mesmo após a ordem de paralisação. Em setembro de 2008, a 2ª Turma do STF anulou a ação desde a fase de interrogatórios, pelo fato de advogados de Berezovsky não terem sido comunicados sobre as oitivas de outros réus do caso.
Na reclamação (que agora corre sobre segredo de Justiça), a defesa argumenta que o perigo de demora na decisão coloca em risco o sigilo bancário do empresário. “O perigo de demora advém do fato de estar-se em via de ser executada medida restritiva de direito fundamental, consistente na quebra de sigilo bancário, com base em decisão anulada por essa egrégia Corte Constitucional”, diz trecho da inicial.
Toron também pede ao Supremo que oficie o Conselho Nacional de Justiça e a Corregedoria Geral da Justiça Federal no Estado de São Paulo, para que “tomem ciência do ocorrido (descumprimento da decisão do STF) e adotem as providências que entenderem cabíveis”.
O relator da reclamação será o ministro Celso de Mello, que havia concedido a liminar que resultou na paralisação do processo, e em dezembro de 2009 confirmou decisão que autorizava a Justiça Federal a entregar à Justiça da Rússia documentos e equipamentos do russo Boris Berezovsky apreendidos no Brasil em 2006.
A operação Perestroika da Polícia Federal revelou, através de escutas telefônicas, casos graves de corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro entre os dirigentes do Corinthians em sua parceira com a MSI.
O escândalo do Corinthians e a MSI colocou à mostra os efeitos do capitalismo no futebol brasileiro. Apesar da CPI em 2001, a corrupção continuou solta nos campos do futebol e este foi apenas mais um caso envolvendo um dos maiores clubes brasileiros e investidores estrangeiros.
A imprensa divulgou que a operação Perestroika da Polícia Federal realizada em 2007, revelou através de escutas telefônicas, casos graves de corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro entre os dirigentes do segundo maior clube popular do Brasil, o Corinthians Paulista, e a parceira do clube, a Media Sports Investment (MSI), desde 2002.
O Flamengo, dono da maior torcida do país e atual campeão brasileiro, quase foi envolvido em outro escândalo, pois chegou a ser sondado para, a exemplo do Corinthians, fazer uma parceria com a MSI.
A lavagem de dinheiro vinha do pagamento de salários de jogadores em contas no exterior, além do fechamento de negócios com empresas prestadoras de serviços fantasmas incluídas no esquema as viagens do presidente do clube, Alberto Dualib, à sede da MSI, em Londres.
A viagem de negócios e reunião com os sócios ocultos da parceria MSI/Corinthians era, na verdade, para trazer recursos de origem duvidosa para o clube. Gastos de viagem contabilizam até R$ 600 milhões retirados dos cofres do clube durante a administração do ex-presidente Alberto Dualib entre os anos de 1998 e 2000. São mais de 400 recibos que não passaram pela contabilidade oficial.
A operação também revelou que o verdadeiro dono da MSI é o magnata russo Boris Berezovsky, acusado de lavagem de dinheiro público e de assassinato na Rússia, onde foi condenado e está foragido, residindo Em Londres, na Inglaterra. Sua fortuna é estimada em cerca de US$ 10 bilhões.
A Cronologia do Escândalo
Em 2004, o obscuro executivo iraniano, Kis Joorabchian, radicado em Londres, Inglaterra, se transformou no grande ídolo da segunda maior torcida do futebol brasileiro, a Corintiana. O dinheiro que ele despejou sobre o Corinthians rendeu um time de estrelas e um título importante.
Os corintianos se acostumaram até a gritar seu nome nas arquibancadas, consagrando o cartola falastrão, gastador e enrolado. Todavia, três anos depois, Kia passava de herói a vilão do Corinthians. Investigações da Polícia Federal e do Ministério Público revelaram que os negócios da MSI com o Corinthians eram irregulares.
O objetivo da parceria entre Corinthians e MSI previa 10 anos de investimento no clube, com o executivo Kia na função de representante do fundo de investidores no país, responsável por gerenciar os recursos externos e fechar negócios em nome do Corinthians.
Kia era o único rosto conhecido da parceria, pois os investidores estrangeiros responsáveis pelos investimentos permaneciam desconhecidos, assim como a origem do grande fluxo de dólares que chegava desde Londres, sede da MSI.
Em troca da compra de jogadores (e de promessas como a construção de um estádio e a criação de um canal de TV por assinatura do clube), a MSI poderia explorar o departamento de futebol corintiano, negociando contratos publicitários e recebendo os lucros de vendas de atletas.
Os responsáveis pelos investimentos receberiam parte da receita e se comprometiam a continuar gastando dinheiro com contratações, mantendo sempre um "supertime".
No primeiro ano da parceria, foram gastos 115 milhões de reais em contratações de jogadores como os argentinos Tevez e Mascherano e os brasileiros Nilmar, Carlos Alberto e Roger, entre vários outros. Até Daniel Passarella, técnico argentino, foi contratado a peso de ouro, mas demitido após o Corinthians perder de 5 a 1 para o São Paulo no Pacaembu e ser ameaçado por uma invasão de torcedores ao gramado.
Apesar de fracassar no Campeonato Paulista e na Copa do Brasil, o time foi campeão brasileiro em 2005, troféu marcado pelo escândalo da máfia do apito e por um erro crucial de arbitragem no jogo decisivo contra o Internacional, vice-campeão. As confusões de Kia, as disputas políticas no clube e a natureza obscura dos investimentos ficaram em segundo plano enquanto houve bons resultados em campo.
Mas em 2006, a parceria começou a desmoronar. As brigas internas e trapalhadas de Kia e da diretoria do Corinthians prejudicaram as campanhas do clube, que não conseguiu conquistar a tão sonhada Copa Libertadores de América e também acabou por fracassar nas outras competições do ano. A parceria tornou-se, então, um enorme problema, e em 2007 aconteceram novas decepções, com o Corinthians perdendo o Campeonato Paulista, o Brasileiro e a Copa do Brasil.
Foi então que Kia levou Tevez e Mascherano para a Europa, fechou a torneira de Dólares e o Corinthians passou a pressionar a MSI na esperança de contratar novas estrelas e pagar as dívidas, que não paravam de crescer. E foi em 2007 que, com o Corinthians abandonado pela MSI e por seu próprio presidente, que passava a maior parte do tempo em Londres, os conselheiros do clube votaram pela dissolução da parceria, uma vez que, na teoria, o elo entre Corinthians e MSI ainda existia.
O relacionamento entre as partes, entretanto, se resumia em trocas de acusações e cobranças. A sede paulistana da MSI fechou e o quadro de funcionários foi esvaziado. Dois anos depois de armar o time mais caro da história do futebol brasileiro, o Corinthians tentava se sustentar com um time cheio de novatos e desconhecidos.
Fora de campo, o desfecho da parceria MSI/Corinthians transformou-se no maior escândalo do futebol brasileiro. E o caso está longe de terminar, havendo ainda a possibilidade real de que os principais envolvidos na parceria terminem presos.
As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público identificaram uma longa lista de crimes no clube. Há suspeitas de evasão de divisas e sonegação fiscal. Gravações telefônicas interceptadas com autorização judicial mostram Kia falando abertamente em lavagem de dinheiro.
O trabalho da Polícia Federal, denominado Operação Perestroika, mostrou que os crimes foram além das irregularidades denunciadas desde 2005 pelo Ministério Público Federal. Suspeitou-se que a MSI pagava suas estrelas (Tevez, Mascherano, Carlos Alberto, Nilmar e o técnico Emerson Leão) no exterior. Numa conversa gravada entre Carlos Alberto e a sua ex-mulher, a moça ameaça "abrir a boca sobre o depósito do salário, que é feito metade aqui e metade no exterior".
Em julho de 2007, a Justiça Federal determinou a prisão preventiva de Kia Joorabchian e do magnata russo Boris Berezovski, o principal investidor da MSI. Nojan Bedroud, diretor da empresa, também foi alvo do mesmo pedido. Todos foram acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
No Corinthians, foram denunciados vários dirigentes, incluindo o então presidente, Alberto Dualib, e seu vice, Nesi Curi. O empresário Renato Duprat, que intermediou o acordo para a parceria, o advogado Alexandre Verri, advogado com procuração da MSI, e o dirigente Paulo Angioni, ex-diretor da empresa, também foram citados no processo.
Conforme os autores da denúncia, procuradores federais Rodrigo de Grandis e Silvio Martins de Oliveira, a "quadrilha" corintiana movimentou cerca de 61 milhões de reais de origem ilícita. A Polícia Federal e o Ministério Público foram claros: “Berezovski era o dono do negócio, e Kia era apenas um "laranja".
O personagem decisivo para o desfecho de todo o episódio é o magnata russo Boris Berezovski, uma figura controvertida do capitalismo. Homem de múltiplos talentos, Berezovski entrou para o mundo dos negócios com o colapso do comunismo e enriqueceu com as privatizações no regime de Boris Ieltsin.
Com a ascensão de Vladimir Putin ao poder na Rússia em 2000, Berezovski caiu em desgraça. Acusado de corrupção e ligação com a máfia russa, exilou-se na Inglaterra. A participação do russo no negócio com o Corinthians era suspeitada desde o início da parceria, mas sempre foi negada pelos dirigentes.
Outro fato grave ligado ao russo é a revelação, nos grampos da Polícia Federal, de uma mobilização política para permitir que Boris Berezovski visitasse o Brasil, fizesse mais negócios e até falasse com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas ele não aceitou se encontrar com o magnata russo.
ANTONIO CARLOS LACERDA
PRTAVDA Ru BRASIL
pravdarubrasil@gmail.com