Uma presidenta que, consciente do caráter cada vez menos protagonista do PT, queima no altar da aliança com os setores mais conservadores da sociedade os laços com as antigas bases sociais politizadas do petismo
Mário Maestri*
O mito Luís Inácio Lula da Silva foi a primeira vítima do amplo apoio da população ao governo Dilma Rousseff, registrado pela última pesquisa CNI/IBOPE - 77% de consenso! No frigir dos ovos, a discípula superou o escore do mestre, na mesma altura do jogo, apesar da sua enorme inabilidade política, falta de carisma e imperícia na comunicação, qualidades que explicaram tradicionalmente o fenômeno político lulista.
Avaliação positiva ainda mais paradoxal devido às recentes decapitações ministeriais, registro da corrupção que infesta os subterrâneos do poder; à crescente desindustrialização da economia nacional; ao desenvolvimento pífio do país em 2011; à enorme desassistência popular; ao arrocho salarial dos trabalhadores públicos e privados.
No Brasil existe ampla população política, cultural e ideologicamente conservadora, que sustenta por princípio a autoridade e o governo, sobretudo em situação de normalidade. Desorganizada e alienada, apenas relaciona política e condições de existência. Pelas agruras e prazeres da vida, responsabiliza o destino e a si mesma, de olhos cravados nos céus! Essa poupança político-social é ciosamente alimentada pelas classes dominantes através da mídia; igrejas; sindicatos; partidos, etc.
Com a acelerada expansão da economia mundial, em 2002-2008, a sociedade brasileira conheceu ciclo aparentemente virtuoso, que se manteve relativamente após o primeira e segundo contra-golpes da crise geral capitalista, em 2008-9 e 2011. Nesses anos, as commodities valorizam-se e a inflação foi mantida mundialmente jugulada, impulsionando as economias dos países ditos emergentes.
O Brasil viveu modestamente esses bons ventos, devido sobretudo ao enorme peso do serviço da dívida pública, que praticamente deixou os investimentos a cargo do capital externo. A necessidade da atração de capitais valorizou patologicamente a moeda nacional, impulsionando a desindustrialização da produção nacional, ao escancarar as exportações.
A construção do sentimento popular de satisfação apoiou-se nos longos anos de baixa inflação; na retração relativa do desemprego; no crescimento raquítico da parte minúscula dos trabalhadores na renda nacional. Foi também importante neste movimento a patológica expansão artificial da capacidade popular de compra, com a liberalização do crédito consignado; generalização dos cartões de crédito; a extensão do prazo de crédito para bens móveis, etc.
Foi enorme o consenso conquistado pelas fluviais políticas focalizadas, com suas minúsculas subvenções familiares em dinheiro, tidas pelos segmentos sociais fortemente pauperizados como magnanimidade governamental. Parcelas da população que suportam no geral impassíveis condições miseráveis de existência e rusticidade e ausência de serviços públicos básicos como esgoto, saúde, educação, segurança, etc.
O apoio ao governo da presidenta se estende igualmente aos segmentos médios e médio-altos, bafejados pelo movimento expansionista, inebriados como novos ricos pelas delícias do turismo internacional, financiadas pelo real irresponsavelmente valorizado, que sangra sem cessar o balanço de pagamentos do país. Pagando menos por um café expresso na célebre galeria milanesa Vittorio Emanuele de que em um shopping suburbano das metrópoles nacionais, vivem como os hermanos argentinos nos dias gloriosos do governo Carlos Menen [1989-99], antes de serem embretados no curralito do realismo econômico.
Quanto ao grande capital nacional e mundial, sustentam firmemente o governo Rousseff, que entronizou ao igual que o anterior, já que avança plenamente suas necessidades; privatiza os bens públicos e nacionais; gere a burocracia político-sindical, já atrelada pelas tripas ao governo e ao Estado. Encanta-se igualmente com a presidenta sem laços mesmo simbólicos com as classes populares e a nação, livre para abandonar as veleidades do governo passado de política externa mais independente, submetendo-se plenamente no essencial ao imperialismo estadunidense.
Uma presidenta que, consciente do caráter cada vez menos protagonista do PT, queima no altar da aliança com os setores mais conservadores da sociedade os laços com as antigas bases sociais politizadas do petismo, ao liquidar as iniciativas de avanço dos direitos civis: direito à interrupção voluntária da gravidez; repressão à homofobia; direito de casamento civil sem restrições sexuais; repressão aos crimes da ditadura; caráter laico do Estado, etc.
Nesse estranho e maravilhoso quadro político, expropriada no seu programa conservador, a direita tradicional vive amargurada no ostracismo, à espera de crise que abra seu caminho ao poder, para exercício do poder pelo capital, sem intermediações. Quanto à oposição de esquerda, também conquistada para as maravilhas da adesão parlamentar, administrativa e sindical ao Estado, segue no seu enorme e já histórico jejum de representação, de costas para com as necessidades políticas, ideológicas e organizacionais da sofrida população nacional.
Mário Maestri, 63, é professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF. E-mail: maestri@via-rs.net
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