A busca por uma eleição ética, digna e transparente conseguiu unir o Poder Judiciário, Ministério Público Estadual e Federal, Polícia Federal, Igreja Católica e Evangélica, organizações não governamentais, movimentos populares e sociais, pessoas anônimas e até duas aldeias indígenas, com cerca de três mil índios, em uma solenidade que lotou o Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Espírito Santo (TRE-ES), no Brasil.
Em meio ao tradicional terno e gravata das autoridades, com seus carros oficiais, o que chamou a atenção foi a presença de índios guaranis e tupiniquins, em trajes tradicionais, que compareceram ao TRE-ES para o lançamento do Programa de Ética e Transparência Eleitoral (Prete).
Não se tem conhecimento de algo semelhante em toda a história do Espírito Santo. “No Brasil, em todos os eventos da Justiça Eleitoral, o que mais se vê são políticos notoriamente corruptos, muitos deles respondendo a vários processos judiciais, discursando, com orgulho e autoridade, sobre ética, dignidade e transparência eleitoral”, disse um anônimo, presente ao evento.
Uma senhora, não identificada, que a tudo ouviu e prestou atenção, afirmou que “essa deve ter sido a primeira vez que o tribunal esteve lotado por gente do bem, ao contrário de tantas outras, onde a presença dominante deve ter sido de políticos corruptos, exibindo cinismo e pregando a moralização das eleições”.
Apesar de o desembargador Pedro Valls Feu Rosa reiterar que o Prete foi idealizado e criado pelo TRE-ES, na verdade, ao assumir a Presidência do Tribunal, em janeiro deste ano, ele já tinha como plano de gestão o combate à corrupção eleitoral. Tanto tinha que, no ato de sua posse, mandou, publicamente, um recado aos políticos corruptos que iria combatê-los, a fero e fogo, com todos os meios juridicamente possíveis e legais.
O presidente do TRE-ES, desembargador Pedro Valls Feu Rosa, iniciou seu discurso afirmando que “com muita humildade e serenidade, perfeitamente conscientes das nossas falhas e limitações, aqui estamos para endereçar aos compradores de votos um grito que há muitos anos está entalado, atravessado, na garganta de cada cidadão deste país: Chega de Bandalheira! Respeitem as pessoas de bem! Tenham pena do Povo!”.
Emocionado por ocupar a cadeira de presidente do TRE-ES, lugar já ocupado por seu falecido pai, desembargador Antonio José Miguel Feu Rosa, Pedro Valls Feu Rosa revelou que, nas últimas eleições, “os compradores de votos abocanharam 13% dos eleitores”.
“Compraram, sem a menor vergonha, quase 18 milhões de votos. Nós estamos aqui hoje para dizer que achamos isso uma vergonha, e para pedir a ajuda da população em nossa caminhada”, enfatizou o presidente do TRE-ES.
Em seu discurso, Pedro Valls Feu Rosa disse também que existem momentos na vida de qualquer país nos quais as instituições fraquejam, se apequenam e se amesquinham. “É nesta hora que cumpre ao povo reagir. Não contra as instituições, mas exatamente em apoio a elas, pois que são sagradas. A nossa geração tem experimentado vários desses momentos, e o povo brasileiro não tem fugido à sua responsabilidade. Cada vez mais vai para as ruas, levantando uma voz que ninguém, em tempo algum, conseguirá calar”, enfatizou o desembargador.
O presidente do TRE-ES revelou que no Brasil, onde são editadas 766 normas legais por dia útil, não tinha, até 1999, sequer uma lei combatendo a compra de votos. “Não tinha e iria continuar sem ter, se não fosse a sagrada voz do povo, que se organizou, protestou, foi às ruas, e só assim nasceu a primeira lei de iniciativa popular da história do Brasil, a de Nº 9.840”.
“É triste dizer isso, mas ela (Lei 9.840) só nasceu porque um milhão de brasileiros a assinaram. Eu registro que o povo capixaba (Espírito Santo) fez bonito nesta caminhada, sendo o 2º do País em número de assinaturas”, destacou o desembargador Pedro Valls Feu Roisa.
Outra revelação assustadora do presidente do TRE-ES diz respeito às cassações de mandatos políticos. Segundo ele, nas últimas quatro eleições, mais de 600 políticos foram cassados. Entre eles vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, senadores e até governadores. “Mas claramente isto não tem sido suficiente. Precisamos fazer mais”.
Entre as pessoas presentes que concederam entrevistas à Imprensa destaca-se o cacique das aldeias de índios Guaranis, Antônio Carvalho, enfatizando que os índios estão empenhados e orientados a não deixar que a corrupção atinja suas aldeias.
"Nós somos cidadãos que também votam. Por isso devemos acompanhar tudo o que Justiça faz pelo eleitor. Se não acompanharmos, não vamos saber como a corrupção pode atingir as nossas aldeias. Queremos votar conscientes para escolhermos a pessoa certa para nos representar", disse o cacique Guarani.
O TRE-ES já disponibilizou ao público o telefone 0800 083 2010 para ligações gratuitas, através do qual a população poderá fazer qualquer tipo de denúncia eleitoral, sem a necessidade de se identificar.
36 entidades, entre órgãos do poder público, organizações não governamentais e movimentos populares e sociais, além de aldeias de índios Guaranis e Tupiniquins, assinaram um termo de ações em favor da ética, da dignidade e da transparência nas eleições no Estado do Espírito Santo, com destaque para o empenho no combate à corrupção eleitoral.
A seguir, fragmentos do discurso do presidente do TRE-ES, desembargador Pedro Valls Feu Rosa:
"Nós iremos às ruas, nas igrejas, comunidades indígenas, quilombolas levar a nossa mensagem de que compra de votos é crime e o dinheiro que essas pessoas compram o voto geralmente vem de recursos públicos da saúde, educação e segurança pública. Estamos hoje pedindo a ajuda de todos, vamos denunciar aqueles que estão querendo comprar voto.
Nossa palavra não é, nunca foi e jamais será radical ou truculenta. Jamais. Nossa fala é mansa, como baixo é o nosso tom de voz. Mas que não se iludam os compradores de votos e aqueles que os protegem, por ação ou omissão, nossa vontade é firme, muito mais do que possam imaginar.
Prestem muita atenção nas faces dos nossos companheiros de caminhada. São faces curtidas pela dor e pelo sofrimento, temperadas pela coragem de denunciar crueldades e bandalheiras as mais diversas. Refletem almas já marcadas pela desilusão, cansadas de ver a impunidade do mal.
Mas, principalmente, são pessoas de têmpera e de fibra. Como se diz, poderão até quebrar, mas nunca, jamais, em tempo algum, se curvarão ao mal ou se acovardarão.
São pessoas que já demonstraram, ao longo de suas vidas, não temerem a polêmica ou os desgastes, quando se trata de defender o bem ou de fazer o que é certo. É com este espírito que estamos caminhando, suaves nas palavras, mas fortes no ânimo, rumo ao povo capixaba.
Aqueles que apóiam a compra de votos, ao nos verem, dirão que somos apenas um grupo de loucos sonhadores. Quanto a sermos loucos, pode até ser. Vá lá que seja! Mas somos loucos bons! Daqueles que sacrificam momentos de lazer tentando suavizar um mínimo que seja a vida de algum semelhante nosso.
Deixem-nos com a nossa loucura, temos orgulho dela. De qualquer maneira, e a quem não gostar dos loucos, recomendamos que vejam com atenção em que mundo terrível e cruel as pessoas normais nos colocaram!
Sobre sermos sonhadores, somos mesmo. Cada um de nós. Passamos a vida a sonhar. Sonhamos aquele sonho bom de Martin Luther King.
Nós sonhamos com o dia em o dinheiro usado na compra de votos seja utilizado para salvar as vidas das 20 crianças que morrem todos os dias no Brasil, vítimas da falta de um simples esgoto.
Nós sonhamos com o dia em que o dinheiro usado na compra de votos seja utilizado para reparar aquela estrada ruim que matou seu pai, sua mãe, ou algum filho seu.
Nós sonhamos com o dia em que o dinheiro usado na compra de votos seja utilizado para suavizar a dor dos nossos irmãos que sofrem um horror digno do inferno nas filas e corredores desumanos de alguns hospitais brasileiros.
Nós sonhamos com o dia em que o dinheiro usado na compra de votos seja utilizado para melhorar a segurança pública que não conseguiu impedir o assassinato do seu marido, ou da sua esposa, durante algum assalto.
Nós sonhamos com o dia em que o dinheiro usado na compra de votos seja utilizado para tirar os nossos irmãos dos tristes túmulos em que tem se transformado as nossas favelas.
Nós sonhamos com o dia em que o dinheiro usado na compra de votos seja utilizado para dar às nossas crianças uma educação digna, que lhes proporcione igualdade de condições na disputa por um emprego.
Nós sonhamos, enfim, com o dia em que o dinheiro usado na compra de votos seja utilizado na formação de um país menos desumano e desigual, cujo povo reflita a riqueza de um dos solos mais ricos do mundo inteiro.
Enquanto este dia não chegar, pedimos desculpas, mas continuaremos dizendo que comprar votos em um país cujo povo tanto sofre é um crime contra a humanidade. É falta de coração, de sentimento cristão, de temor a Deus.
Sim, enquanto este dia não chegar, continuaremos firmes em nossa caminhada por este mundo tão deformado, sonhando os nossos ideais. Destes, nós nunca desistiremos, porque, como dizia Goethe, "quem perde o valor, perde tudo".
Na solenidade, um momento mágico despercebido pelos presentes: o desembargador Pedro Valls Feu Rosa, por algumas vezes, lançou seu olhar sobre a fotografia de seu falecido pai (desembargador Antonio José Miguel Feu Rosa) na galeria dos ex-presidentes do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Espírito Santo.
Este gesto pode ter sido uma espécie de comunicação transcendental entre dois homens espiritualmente interligados: o pai, severo e corretivo, como que atento aos atos do filho amado; e este, como que pedindo forças e orientação ao experiente comandante para o combate franco e direto que ousou empreitar contra os mais poderosos inimigos do povo: os políticos corruptos.
ANTONIO CARLOS LACERDA
PRAVDA Ru BRASIL
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