Leia a íntegra do acordo nuclear entre Irã, Brasil e Turquia
Estes são os principais termos da "declaração comum" de dez pontos assinada nesta segunda-feira por Irã, Turquia e Brasil, que estabelece uma troca de combustível em território turco para tentar pôr fim à crise nuclear iraniana:
Tendo-se reunido em Teerã em 17 de maio, os mandatários abaixo assinados acordaram a seguinte Declaração:
1. Reafirmamos nosso compromisso com o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e, de acordo com os artigos relevantes do TNP, recordamos o direito de todos os Estados-Parte, inclusive a República Islâmica do Irã, de desenvolver pesquisa, produção e uso de energia nuclear (assim como o ciclo do combustível nuclear, inclusive atividades de enriquecimento) para fins pacíficos, sem discriminação.
2. Expressamos nossa forte convicção de que temos agora a oportunidade de começar um processo prospectivo, que criará uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontacional, conducente a uma era de interação e cooperação.
3. Acreditamos que a troca de combustível nuclear é instrumental para iniciar a cooperação em diferentes áreas, especialmente no que diz respeito à cooperação nuclear pacífica, incluindo construção de usinas nucleares e de reatores de pesquisa.
4. Com base nesse ponto, a troca de combustível nuclear é um ponto de partida para o começo da cooperação e um passo positivo e construtivo entre as nações. Tal passo deve levar a uma interação positiva e cooperação no campo das atividades nucleares pacíficas, substituindo e evitando todo tipo de confrontação, abstendo-se de medidas, ações e declarações retóricas que possam prejudicar os direitos e obrigações do Irã sob o TNP.
5. Baseado no que precede, de forma a facilitar a cooperação nuclear mencionada acima, a República Islâmica do Irã concorda em depositar 1200 quilos de urânio levemente enriquecido (LEU) na Turquia. Enquanto estiver na Turquia, esse urânio continuará a ser propriedade do Irã. O Irã e a AIEA poderão estacionar observadores para monitorar a guarda do urânio na Turquia.
6. O Irã notificará a AIEA por escrito, por meio dos canais oficiais, a sua concordância com o exposto acima em até sete dias após a data desta Declaração. Quando da resposta positiva do Grupo de Viena (EUA, Rússia, França e AIEA), outros detalhes da troca serão elaborados por meio de um acordo escrito e dos arranjos apropriados entre o Irã e o Grupo de Viena, que se comprometera especificamente a entregar os 120 quilos de combustível necessários para o Reator de Pesquisas de Teerã.
7. Quando o Grupo de Viena manifestar seu acordo com essa medida, ambas as partes implementarão o acordo previsto no parágrafo 6. A República Islâmica do Irã expressa estar pronta - em conformidade com o acordo – a depositar seu LEU dentro de um mês. Com base no mesmo acordo, o Grupo de Viena deve entregar 120 quilos do combustível requerido para o Reator de Pesquisas de Teerã em não mais que um ano.
8. Caso as cláusulas desta Declaração não forem respeitadas, a Turquia, mediante solicitação iraniana, devolverá rapida e incondicionalmente o LEU ao Irã.
9. A Turquia e o Brasil saudaram a continuada disposição da República Islâmica do Irã de buscar as conversas com os países 5+1 em qualquer lugar, inclusive na Turquia e no Brasil, sobre as preocupações comuns com base em compromissos coletivos e de acordo com os pontos comuns de suas propostas.
10. A Turquia e o Brasil apreciaram o compromisso iraniano com o TNP e seu papel construtivo na busca da realização dos direitos na área nuclear dos Estados-Membros. A República Islâmica do Irã apreciou os esforços construtivos dos países amigos, a Turquia e o Brasil, na criação de um ambiente conducente à realização dos direitos do Irã na área nuclear.
Manucher Mottaki
Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica do Irã
Ahmet Davutoğlu
Ministro dos Negócios Estrangeiros da República da Turquia
Celso Amorim
Ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou na manhã desta segunda-feira (17) que houve acordo sobre a questão da energia nuclear do Irã. O acerto prevê que o Irã entregará 1.200 quilos de urânio à Turquia e receberá 120 quilos do produto enriquecido com monitoramento de organismos internacionais. O acordo entra na história como uma das mais emblemáticas vitórias da diplomacia brasileira e projeta o Brasil e o presidente Lula como protagonistas de primeira linha na política global.
O acordo nuclear assinado hoje por Brasil, Irã e Turquia nuclear fecha o caminho para a possibilidade que a comunidade internacional imponha novas sanções ao regime iraniano, afirmou o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim. Em entrevista coletiva em Teerã, após o anúncio do pacto, Amorim assegurou que o compromisso adquirido pelas autoridades iranianas fecha a porta para a política de sanções sugerida pelas grandes potências.
O acordo é semelhante à proposta formulada pelo grupo 5+1 (formado pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança - EUA, França, Reino Unido, Rússia e China, mais Alemanha) em outubro passado e permitirá o envio do urânio do Irã à Turquia, onde ficará armazenado até que o país receba em um ano 120 quilos de urânio enriquecido a 20%.
O chefe da diplomacia brasileira acrescentou que este acordo representa o princípio para abordar outras questões sobre o conflito nuclear. "Naturalmente, este acordo não vai resolver todos os pontos da questão nuclear. Mas é o passaporte para discussões mais amplas em direção a retomada da confiança na comunidade internacional", opinou Amorim.
Amorim destacou que é a primeira vez que o Irã se compromete por escrito a enviar urânio ao exterior para recuperá-lo tempo depois. O chanceler brasileiro ressaltou ainda que agora o Irã poderá exercer seu "direito legítimo" à energia nuclear para fins pacíficos.
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Parceria com a AIEA
A proposta estipulada pelos presidentes do Brasil e do Irã, Luiz Inácio Lula da Silva e Mahmoud Ahmadinejad; e pelo primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, será enviada agora para a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Se a AIEA a aceitar, o Irã entregará os 1.200 quilos de urânio levemente enriquecido a 3,5% à Turquia, onde ficariam depositados sob vigilância iraniana e turca.
No prazo de um ano, o Irã receberia 120 quilos de urânio enriquecido a 20% procedente da Rússia e da França para seu reator nuclear civil, segundo os detalhes divulgados à imprensa pelo porta-voz de Exteriores iraniano, Ramin Mehmaparast. Lula, que está há dois dias de visita oficial no Irã e que hoje participará da inauguração da 14ª Cúpula do G15 (grupo dos 15 países em desenvolvimento), na capital iraniana, foi o principal impulsionador do acordo.
Além da Turquia, a iniciativa diplomática do Brasil pelo acordo com o Irã teve o apoio da China, da Rússia e da França, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Para Celso Amorim, o Brasil falou com todos os interlocutores, por isso negociaram "levando em conta todas as preocupações".
Repercussão
Mas o acordo, um marco nas negociações sobre o tema nuclear, ainda é visto com ceticismo por Israel e por algumas potências ocidentais, sobretudo os Estados Unidos, que foram derrotados em sua política de agressão e sanções. O jornal americano “New York Times” chegou a dizer que Lula pensava ser mágico, que o Brasil "ultrapassava barreira da ingenuidade". Agora, será difícil não reconhecer o êxito da iniciativa diplomática.
No Brasil, a imprensa já atesta este reconhecimento. O programa Bom Dia Brasil, da Rede Globo, afirmou na manhã desta segunda que "o Brasil assumiu uma posição audaciosa, de liderança. Entrou no jogo difícil do Oriente Médio e até agora teve êxito".
Durante entrevista na manhã desta segunda-feira na rádio CBN, a candidata à presidência da República, Dilma Rousseff (PT), falou da importância histórica do acordo. “O diálogo venceu todas as tentativas de sanções. Quando se está disposto a construir consenso é possível criar outro clima, mesmo numa região tão complexa quanto o Oriente Médio. Este é um passo relevante de Lula como líder mundial”.
Além do acordo nuclear, o Irã também mostrou um gesto de boa vontade e anunciou a soltura da professora francesa Clotilde Reiss, condenada no Irã por de espionagem. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, já agradeceu ao presidente Lula e aos chefes de governo da Síria e do Senegal, que também pediram a libertação da francesa.
Lula: vitória da diplomacia
Em seu programa de rádio Café com o Presidente, transmitido a partir de Teerã, o presidente Lula disse hoje que o acordo alcançado com o Irã é "uma vitória para a diplomacia". “Há um milhão de razões para a gente ter argumento para construir a paz e não há nenhuma razão para a gente construir a guerra. O Brasil acreditou que era possível fazer o acordo. Mas o que é importante é que nós estabelecemos uma relação de confiança. E não é possível fazer política sem ter uma relação de confiança. (...) A diplomacia sai vencedora hoje. Mostramos que com diálogo é possível conseguir a paz, construir o desenvolvimento", afirmou Lula.
Lula insistiu em que se deve "acreditar nas pessoas", em alusão à desconfiança que os Estados Unidos e os países europeus mantêm com a república islâmica.
Lula, que aspira para o Brasil uma vaga permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, desembarca nesta segunda-feira em Madri para participar de uma reunião, terça-feira, entre União Europeia e América Latina.
Da redação,
Cláudio Gonzalez e Mariana Viel, com agências
«PRAVDA.Ru».
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